A unidade aquática Horse Gym USA, da Coulee Equine, juntamente com o sistema exclusivo com uma máscara que mede a ventilação equina à campo (da esquerda para a direita): Katie Imler, proprietária da Coulee Equine; Persephone Greco-Otto e Stephanie Bond, ambas candidatas a PhD na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Calgary.

A hidroesteira revolucionou a reabilitação e o condicionamento de atletas humanos, e hoje esses mesmos princípios estão ganhando reconhecimento no treinamento e condicionamento de equinos atletas. “Existem inúmeras alegações sobre os benefícios do exercício em hidroesteiras para cavalos, mas as evidências não são conclusivas”, explicou Persephone Greco-Otto, bacharel em Direito, doutoranda em hidroesteiras para equinos na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Calgary, no Canadá. “Mas agora, novos dados científicos revelaram aumentos significativos no consumo máximo de oxigênio [VO2max] e na resistência durante o exercício na hidroesteira, o que trouxe muita empolgação”.

Por que essas informações são importantes para os médicos de equídeos? “São os primeiros dados baseados em evidências que examinam o condicionamento da hidroesteira em cavalos de competição”, observou ela durante sua apresentação na 63ª Convenção Anual da AAEP (American Association of Equine Practitioners ) em San Antonio. “Utilizando novas tecnologias, conseguimos registrar dados elaborados sobre VO2max, ventilação, velocidade de corrida, lactato sanguíneo e batimentos cardíacos durante o treinamento em hidroesteira à campo”.

Mas antes de nos aprofundarmos no estudo, vamos revisar brevemente alguns princípios básicos. O que é uma hidroesteira e como os dados do estudo foram coletados e analisados? As esteiras originalmente foram projetadas para a reabilitação de lesões músculo-esqueléticas em humanos, mas seu uso rapidamente se popularizou no treinamento e condicionamento físico. Atualmente, os programas de reabilitação e condicionamento aquáticos vem ganhando popularidade em uma ampla variedade de espécies. Essa modalidade de duplo objetivo reflete as propriedades únicas da água: sua viscosidade combinada com a flutuação permite exercícios de alta resistência e baixo impacto, o que é importante ao reabilitar um animal ferido, e também ao tentar evitar lesões futuras.

“Conforme mostrado na figura de abertura, a hidroesteira usada neste estudo é da unidade aquática Horse Gym USA da Coulee Equine”, explicou Greco-Otto, acrescentando que “a unidade possui uma câmara exclusiva em acrílico, enquanto a maioria das câmaras de hidroesteira se assemelham a uma caixa de metal.”

Os pesquisadores também usaram um sistema exclusivo com uma máscara ergoespirométrica que mede continuamente o VO2, a frequência respiratória, o volume corrente (volume normal do ar circulado entre uma inalação e exalação normal), a ventilação por minuto e a proporção entre a duração expiratória e a duração inspiratória. “Essa nova tecnologia é uma das primeiras a medir a ventilação equina à campo – isto é, fora de um laboratório. Esse sistema nos permite examinar a aptidão dos cavalos enquanto eles são treinados em suas respectivas disciplinas”, disse ela, observando que os dados são calculados usando um software personalizado, com gravações a cada respiração, analisadas após atingirem a estabilidade. As condições ambientais também são levadas em consideração nos cálculos de ventilação.

Qual é o foco do condicionamento em equinos? O condicionamento equino tradicionalmente se concentra mais nas habilidades do que na aptidão. Os programas de condicionamento específicos dependem naturalmente da modalidade da competição, mas, independentemente disso, o foco de hoje não deve ser apenas nas habilidades, mas também na aptidão necessária para concluir essas habilidades, enfatizou. “É difícil identificar ou delinear programas de treinamento porque cada proprietário, treinador e competidor tem uma abordagem diferente”.

Ao longo de sua carreira, um equino atleta suporta horas contínuas de trabalho de longa distância, treinamento de velocidade e de habilidades – todos projetados para garantir a aptidão física geral e possibilitar o sucesso nas competições. “O condicionamento de cavalos envolve uma variedade de sistemas, incluindo predisposição respiratória, cardiovascular, muscular e geral [de tendões e ligamentos]”, diz Greco-Otto, acrescentando ainda que os métodos tradicionais de condicionamento podem incluir caminhadores mecânicos, esteiras (comuns) e programas padronizados.

PARÂMETROS DO ESTUDO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi determinar se o treinamento em hidroesteira poderia melhorar o condicionamento ou a aptidão física dos cavalos, explicou Greco-Otto. Especificamente, eles analisaram o VO2máx, a ventilação, a velocidade de corrida, o lactato sanguíneo e a freqüência cardíaca para determinar o efeito de um programa de treinamento em hidroesteira durante 18 dias, usando um nível relativamente alto de água (altura do joelho) para melhorar a aptidão dos equinos.

Por que a água na altura do joelho? Eles conduziram um estudo anterior que analisou a carga de trabalho na hidroesteira em cavalos quarto de milha inaptos (competidores de três tambores). Na hidroesteira, a carga de trabalho se dá em função da altura da água e da velocidade da esteira. O efeito da altura da água interagindo com a velocidade foi significativo no VO2, no volume corrente e na frequência cardíaca, atingindo em todos o nível mais alto da água em uma caminhada rápida (ou seja, a água na altura do joelho a uma velocidade de 1,45m/s – medida usada como referência).

HIPÓTESE: O treinamento na hidroesteira melhoraria o condicionamento e/ou a adequação dos cavalos experimentais, em comparação com um grupo de controle que trabalha no treinamento na esteira comum (ou seja, sem água) na mesma velocidade e com a mesma duração.

PLANO DE ESTUDO: Este estudo controlado foi realizado com 9 cavalos puro-sangue inglês, em más condições físicas (inaptos), usados para polo, que haviam terminado a temporada de competição e foram condicionados por 6 meses durante o inverno. Os cavalos foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um experimental (6 cavalos), que foram submetidos ao treinamento na hidroesteira, e um controle (3 cavalos), que trabalhavam na esteira, mas sem água (esteira comum).

FIGURA 1 – Visão geral da linha do tempo do estudo.

Inicialmente, foi realizado o teste de aptidão dos cavalos (Dia 0), em uma pista de corrida em Bar None Ranches, em Alberta. Eles enviaram os cavalos para Coulee Equine, uma instalação de hidroesteira (também em Alberta), onde permaneceriam durante todo o curso de treinamento, para se acostumarem com a esteira e o novo habitat (dias 3 a 9). O treinamento em esteira começou no dia 10, com o treinamento de exigência máxima no dia 19 e o fim do treinamento no dia 28, com uma duração total de 18 dias. Os testes pós-treinamento ocorreram no dia 31 na mesma pista usada para os testes iniciais. Eles não iniciaram o estudo com a água na altura do joelho, mas aumentaram a altura gradualmente nos 9 dias iniciais de treinamento, atingindo a altura máxima no dia 19.

VAMOS OLHAR UM POUCO MAIS DE PERTO

Ambos os grupos de cavalos trabalharam um total de 20 minutos por dia (sem incluir o tempo para enchimento ou esvaziamento da câmara de água da esteira, que foi usada para aquecimento ou resfriamento, respectivamente). Ambos os grupos trabalharam na mesma velocidade de 1,45m/s, o que significa uma caminhada rápida. A única diferença, é claro, era que os cavalos experimentais trabalhavam na água e os cavalos de controle trabalhavam sem água. Ambos os grupos de cavalos foram testados (Figura 2) antes e após o treinamento em esteira, finalizando primeiro um teste incremental e depois um teste de intensidade máxima, com um jóquei, e uma versão mais clara do sistema de máscara para registro de dados (Figura 3). Um teste incremental foi usado como aquecimento, seguido de um teste de intensidade máxima de 800 metros, onde o jóquei exigia que os cavalos fossem o mais rápido possível. Com base nos dados coletados pelos dispositivos, eles obtiveram vários resultados na medição:

  • Consumo máximo de oxigênio (VO2máx);
  • Volume corrente;
  • Frequência respiratória;
  • Lactato sanguíneo;
  • Frequência cardíaca e
  • Velocidade.

FIGURA 2 – Os dados iniciais, antes do treinamento, e os dados pós-esteira foram coletados por meio de testes na pista (testes de intensidade incremental e máxima).

E OS RESULTADOS MOSTRAM…

Então, o que eles descobriram? Vamos começar com o VO2, porque esse é realmente o ápice da pesquisa atlética em humanos. “Esta parte é muito emocionante”, disse Greco-Otto, “pois finalmente podemos medir o VO2 dos cavalos à campo! Anteriormente, isso era possível apenas em laboratório, então a nova tecnologia de máscara facial revolucionará a coleta de dados de campo para cavalos.”

FIGURA 3 – Durante o treinamento em pista de corrida (Bar None Ranches, Olds, Alberta), uma versão mais simples do sistema de máscara facial foi usada para registrar os dados, Os pesquisadores tiveram uma comunicação direta com o jóquei, dizendo a ele quando acelerar ou diminuir a velocidade.

CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÊNIO

A Figura 4 mostra que o VO2máx é medido em mL/kg/min no eixo Y, com o tempo [pré e pós] no eixo X. Todos os cavalos começaram no mesmo ponto e estavam no mesmo nível de condicionamento físico, sem diferenças significativas entre os dois grupos. Claramente, no grupo experimental, há uma diferença significativa entre o pré e o pós-treinamento – com um aumento de 16%. “Esse aumento é enorme”, enfatizou ela, “especialmente considerando que nosso estudo durou apenas 18 dias e envolveu apenas caminhada [sem trote ou galope].” Por outro lado, os cavalos de controle mostraram uma tendência decrescente no consumo de oxigênio.

FIGURA 4 – O consumo máximo de oxigênio (VO2máx) do início ao pós-treinamento aumentou em 16% no grupo experimental, mas em contrapartida diminuiu no grupo de controle.

VENTILAÇÃO (FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA E VOLUME CORRENTE)

No que diz respeito à frequência respiratória (respirações por minuto) e volume corrente (litros), não houve diferenças significativas entre elas no momento da medição ou entre os grupos. Essa descoberta não é surpreendente, pois trabalhos anteriores mostraram que, em cavalos, a ventilação não muda com o exercício, explicou ela. Mas como explicar o aumento de 16% que ocorreu no VO2máx? Em atletas humanos, o aumento do VO2máx durante o treinamento atlético ocorre, em parte, porque eles alteram a estratégia de respiração. Atletas humanos, na verdade, reduzem sua frequência respiratória e aumentam seu volume corrente, respirando menos e mais profundamente para reduzir efetivamente o trabalho respiratório. Os equinos atletas não podem fazer isso; portanto, quando as pessoas observam os puro-sangue em alta velocidade, elas veem a conexão do sistema respiratório com o sistema locomotor, que basicamente coloca os cavalos em uma proporção de 1:1 entre respirações e passadas. Devido a essa união, os cavalos não podem alterar sua estratégia de respiração. Em vez disso, o aumento do VO2máx em cavalos reflete amplamente as adaptações cardíacas.

FREQUÊNCIA CARDÍACA E LACTATO SANGUÍNEO

Não houve diferenças significativas na frequência cardíaca máxima dos cavalos durante o treinamento, tanto no grupo experimental quanto no grupo de controle. O trabalho mostrou que, diferentemente dos humanos, nos cavalos não se observa uma mudança na freqüência cardíaca máxima durante o treinamento. Da mesma forma, os valores de lactato 5 minutos após o exercício e 80 minutos após o exercício não mostraram alterações nos dois grupos de estudo.

FIGURA 5 – As medições de velocidade confirmaram um aumento drástico na resistência dos cavalos do grupo experimental, de quase 17,5%, do início do treinamento ao pós-esteira.

O INDICADOR FINAL – VELOCIDADE

A Figura 5 mostra a velocidade média durante os 800 metros, com o eixo Y indicando a velocidade média em metros por segundo, e o tempo no eixo X. Embora os cavalos aumentassem sua velocidade média, não era em termos de velocidade máxima instantânea – eles não quebraram seus recordes anteriores.

“Embora não tenham sido mais rápidos por essa perspectiva”, explicou Greco-Otto, “houve maior resistência, com quase 17,5% de aumento do pré para o pós no grupo experimental”. Para ter uma ideia do que isso significa, com o aumento observado, os cavalos superam a velocidade do pré-treinamento em uma faixa de 80 a 96 metros. Assim, apesar de não terem acelerado mais rapidamente em termos de velocidade máxima, mantiveram velocidades mais altas por períodos mais longos. Por outro lado, os cavalos do grupo de controle não demonstraram alterações. Da mesma forma, a velocidade média nos últimos 30 segundos da corrida mostrou um aumento de 12% nos cavalos do grupo experimental; enquanto os cavalos do grupo de controle tendem a reduzir sua velocidade final.

PARA FIXAR NA MENTE

Uma mudança drástica no pensamento está acontecendo, observou Greco-Otto, com mais treinadores e proprietários enxergando seus cavalos como atletas. “Quando começamos a pensar nos cavalos como atletas, comparamos como os treinamos e como nos treinamos. Essa linha de pensamento está levando proprietários e treinadores a questionar se estão condicionando seus cavalos da melhor maneira possível e a considerar qual tecnologia pode melhorar o desempenho.”

Além disso, a concorrência está aumentando e a distância entre os competidores está cada vez menor. “Quando a diferença entre o primeiro e o segundo colocado é inferior à 1 segundo”, explicou ela, “os treinadores percebem que precisam ter uma ampla variedade de ferramentas à sua disposição para garantir que tenham uma vantagem competitiva”.

Os treinadores também estão se tornando mais proativos em relação à prevenção de lesões. Qualquer tipo de treinamento que limite parte da carga prejudicial para os atletas está se tornando uma opção mais atraente, disse ela, acrescentando que a carga é normal e essencial para a estimular a remodelação de ossos e tendões, mas a sobrecarga excessiva pode levar a lesões.

Estabelecer as evidências científicas necessárias para desenvolver programas de condicionamento sonoro para equinos atletas, que participam de todas as formas de competição, é essencial para o sucesso. Com base nos resultados deste estudo, o treinamento em hidroesteira pode ser benéfico, quando adicionado aos programas de exercícios já existentes para cavalos de competição.

Como as hidroesteiras se encaixam em um programa de exercícios já existente? O uso de hidroesteiras pode complementar ou substituir um treino estabelecido. “Por exemplo, se você costuma pedalar 5 vezes por semana, pode pedalar 3 ou 4 vezes, com 1 ou 2 sessões de hidroesteira, sugeriu Greco-Otto.

Enquanto isso, enfatizou, os veterinários precisam continuar buscando dados através de pesquisas controladas sobre os efeitos do treinamento em hidroesteira e a aptidão atlética dos cavalos, com o objetivo de criar diretrizes de condicionamento mais robustas para cada disciplina de competição.

MAIS INFORMAÇÕES

Greco-Otto P, Bond S, Sides R, et al. Workload of horses on a water treadmill: effect of speed and water height on oxygen consumption and cardiorespiratory parameters. BMC Vet Res. 2017;13(1):360.

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